Parece trágica a constatação de Eclesiastes: “Tudo caminha para um mesmo lugar: tudo vem do pó e tudo volta ao pó” (3,20). A vida começa e a vida termina. Ninguém pode fugir dessa realidade. Morre o sábio. Morre o insensato. Morre o pobre. Morre o rico. Morreremos todos e todos voltaremos ao pó. Esta máxima está escrita nos portais de entrada de muitos dos nossos cemitérios.
Os vivos sabem que irão morrer (9,5). Todos temos esta certeza registrada em nossos corações já desde o nascimento. Ninguém jamais conseguiu impedir esse destino. Por isso, “mais vale o dia da morte que o dia do nascimento” (7,1b). Parece trágico, mas não é. Saber que a morte é o fim de todos deve nos levar a viver com intensidade, pois no dia da morte, já não há mais nada para fazer. Que não viveu bem a vida, não terá como se arrepender no dia da morte. Morte é o fim e basta (9,3). Já dizia Dante: “o viver é um correr para a morte” (Purgatório XXXIII,54). E nesse correr para a morte, torna-se mais trágico ainda o fato que “ninguém é senhor do dia da morte” (8,8).
A morte, chegando quando ela bem entender, evidencia essa tragicidade da vida. E quando chega o dia, não há como fugir dela. “Como peixes presos na rede traiçoeira”, que os trazem para a morte fora da água; “Como pássaros presos na armadilha”, que em vão batem asas; “Assim também os filhos dos homens se enredam no tempo da desgraça, quando ela cai de surpresa sobre eles” (9,12). Com a morte chega a dor. Dor de quem fica, que só o tempo cura. Dor fatal de que parte, mesmo que ninguém nos tenha contado como foi a sua dor da morte.
E se a morte é o fim de todos “mais vale um cão vivo que um leão morto”, afirma o autor de Eclesiastes 9,4. Além de ter muito menos força que um leão, o cão, no Oriente Antigo, era considerado um animal impuro e, por isso, sem valor na sociedade. Já o leão representava a realeza. Aqui, diante da fatalidade da morte, é melhor ser fraco, pobre e desprezado, mas estar vivo, que rei, mas morto. O dinheiro e a luxuria não compram a vida. É melhor ser pobre vivo que rei morto.Ora, para aquele que está entre os vivos há esperança (porque melhor é o cão vivo do que o leão morto).
Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento.
Eclesiastes 9:4,5 Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.
Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras.
Em todo o tempo sejam alvas as tuas roupas, e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça.
Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida vã, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade; porque esta é a tua porção nesta vida, e no teu trabalho, que tu fizeste debaixo do sol.
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
Voltei-me, e vi debaixo do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a batalha, nem tampouco dos sábios o pão, nem tampouco dos prudentes as riquezas, nem tampouco dos entendidos o favor, mas que o tempo e a oportunidade ocorrem a todos.
que também o homem não sabe o seu tempo; assim como os peixes que se pescam com a rede maligna, e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enlaçam também os filhos dos homens no mau tempo, quando cai de repente sobre eles.
Também vi esta sabedoria debaixo do sol, que para mim foi grande:
Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes baluartes;
E encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem.
Então disse eu: Melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre foi desprezada, e as suas palavras não foram ouvidas.
As palavras dos sábios devem em silêncio ser ouvidas, mais do que o clamor do que domina entre os tolos.
Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, porém um só pecador destrói muitos bens.
Eclesiastes 9:6-18
A epístola de Paulo aos santos em Filipos é considerada a mais alegre e animadora das suas cartas, fato que se torna especialmente interessante ao perceber que Paulo estava preso quando a escreveu. Ele estava aguardando julgamento pelo governo, e corria o risco real de ser condenado à morte por ter pregado o evangelho de Jesus. A capacidade deste apóstolo de se sentir alegre diante desta circunstância nos desafia a avaliar nossa própria perspectiva sobre a vida e a morte.
Depois de comentar sobre sua prisão e a esperança de um julgamento favorável, ele disse uma coisa surpreendente: “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Filipenses 1:21). É natural procurar preservar e prolongar a vida, e fazer de tudo para afastar a morte. Paulo, porém, considerava a morte um avanço desejável. O que aprendemos da atitude deste apóstolo sobre a perspectiva do seguidor de Cristo referente à morte?
1) A morte física traz lucro! O ensinamento bíblico inclui uma afirmação constante e confiante da vida após a morte para as pessoas salvas pela graça de Deus por meio do sacrifício de Jesus. Paulo escreveu: “mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6:23). Pedro reforçou este entendimento:“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1 Pedro 1:3-5).
2) Diante desta expectativa, o sofrimento da vida terrestre é passageiro. Pedro falou de sofrimento “por breve tempo” (1 Pedro 1:6) “durante o tempo da vossa peregrinação” (1 Pedro 1:17) e descreveu os cristãos como “peregrinos e forasteiros” (1 Pedro 2:11).
3) Há motivo para viver aqui. Mesmo sabendo destes fatos, Paulo viu motivos para permanecer mais um tempo nesta vida. Ele vivia para servir a Cristo e aos homens. Continuaria glorificando ao Senhor na eternidade, mas queria ficar para poder servir aos outros aqui: “E, convencido disto, estou certo de que ficarei e permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da fé, a fim de que aumente, quanto a mim, o motivo de vos gloriardes em Cristo Jesus, pela minha presença, de novo, convosco” (Filipenses 1:25-26).
4) Suicídio não é opção aceitável. Paulo até desejava a morte, mas não falou nada de agir para precipitar a sua saída deste mundo. Jó sofreu tanto que chegou a pensar que teria sido melhor se não tivesse nascido (Jó 3:1-3), mas este homem fiel não agiu para tirar sua própria vida. Enquanto Deus até elogia pessoas que sacrificam suas vidas por boas causas, nenhuma passagem bíblica autoriza o suicídio como solução para o sofrimento desta vida.
5) A confiança do cristão da vida eterna o capacita para suportar aflições e perseguições. Jesus é o exemplo perfeito desta perspectiva: “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus” (Hebreus 12:2). Jesus ofereceu conforto aos perseguidos quando disse: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mateus 10:28).
A perspectiva esperançosa do cristão alivia uma parte do sofrimento em relação às pessoas que morrem em Cristo. Sentimos a falta dos fieis falecidos, mas não nos preocupamos com o destino deles. Paulo comparou a morte com o sono porque acreditava na vida eterna: “Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança” (1 Tessalonicenses 4:13).
–por Dennis Allan
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