O próximo presidente do Brasil vai assumir um complicado quadro econômico. Apesar de a recessão ter tecnicamente ficado para trás há mais de um ano, a retomada da economia está ocorrendo de forma lenta e seus efeitos não chegam a ser percebidos por muitos brasileiros. A taxa de desemprego, por exemplo, é de 12% - cerca de 13 milhões de pessoas estão procurando trabalho e outras 4,8 milhões desistiram de ir atrás de um novo emprego.
Além disso, as contas públicas continuam desequilibradas. Este ano, o governo está autorizado a registrar déficit de até R$ 159 bilhões - valor que não inclui os gastos com juros da dívida.
No segundo turno das eleições presidenciais, os eleitores vão escolher entre dois projetos econômicos diferentes.
De um lado, Jair Bolsonaro (PSL), apesar de ter um histórico político de defesa da participação do Estado na economia, é hoje assessorado por um economista liberal, Paulo Guedes, que é a favor da redução do tamanho do Estado.
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O deputado federal costuma afirmar que não entende de economia e que Paulo Guedes será seu "posto Ipiranga", usando a rede de lojas de conveniência para ilustrar como recorrerá a ele para resolver eventuais problemas e formular propostas. Também já anunciou que, caso eleito, vai escalar Guedes para comandar um "superministério" da economia - reunindo Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
Já Fernando Haddad (PT) não anunciou possíveis nomes do seu time econômico, mas afirmou que vai retirar toda a atual equipe do governo de Michel Temer. Seu projeto econômico prevê usar o Estado para gerar empregos e retomar o poder de compra dos mais pobres.
Haddad também pretende fazer uma reforma tributária, cobrando mais impostos dos mais ricos.
Geração de emprego e leis trabalhistas
O programa de governo de Bolsonaro cita o desemprego como um dos desafios mais urgentes do Brasil. Em relação a isso, a ideia geral do candidato é melhorar o ambiente econômico do país: "Quebraremos o círculo vicioso do crescimento da dívida, substituindo-o pelo círculo virtuoso de menores déficits, dívida decrescente e juros mais baixos. Isso estimulará os investimentos, o crescimento e a consequente geração de empregos".
O candidato também propõe que o Estado não fique "no cangote" do produtor e do empresário. "Nós temos que desonerar folha de pagamento, desburocratizar, desregulamentar muita coisa, evitar que para abrir uma empresa leve em média 100 dias no Brasil. Isso temos que fazer, para ajudar a ter emprego no Brasil", afirmou em entrevista para o Jornal Nacional antes do 1º turno.
Na mesma entrevista, Bolsonaro declarou a respeito das regras trabalhistas: "A classe empregadora tem dito o seguinte: um dia o trabalhador vai ter decidir, menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego".
Como deputado, Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista do governo Temer. Seu plano de governo ainda traz propostas de novas mudanças, como a criação de uma nova carteira de trabalho verde e amarela, em que o contrato individual prevaleça sobre a CLT. A adesão a essa carteira de trabalho seria voluntária. O candidato não se pronunciou sobre como seria esse contrato individual - por exemplo, que regras da CLT poderiam ser suprimidas.
Além disso, Bolsonaro defendeu, em entrevista ao programa Roda Viva, uma outra versão da CLT para o trabalhador rural. "O homem do campo não pode parar no Carnaval, sábado, domingo e feriado. A planta vai estragar".
Já as propostas de Fernando Haddad vão na contramão das de Bolsonaro. O candidato promete revogar a reforma trabalhista de Michel Temer e não reduzir os direitos dos trabalhadores.
Para gerar mais empregos de forma emergencial, o plano do petista é criar o programa Meu Emprego de Novo, retomando 2,8 mil obras paralisadas e também o Programa Minha Casa Minha Vida, o que aumentaria a necessidade de mão de obra do setor da construção civil.
Além disso, Haddad pretende fazer uma reforma bancária, que obrigue os bancos a baixarem os juros. Segundo o candidato, isso estimularia os empresários a pegarem empréstimos para investir e gerar empregos.
Pela proposta, os bancos que oferecerem crédito a custo menor e com prazos mais longos pagariam menos impostos, dentro de uma lógica de tributação progressiva do setor. Assim, aqueles que "abusam de seu poder de mercado para fornecer crédito com taxas de juros abusivas" estariam sujeitos a alíquotas maiores.
Outra medida que teria impacto no emprego, de acordo com Haddad, é a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 salários mínimos - a ideia é que isso libere o orçamento das famílias, fazendo com que elas voltem a consumir. Na mesma linha, Haddad prevê aumentar o salário mínimo acima da inflação - em 2019, deixa de valer a regra atual, em que o mínimo é corrigido com base na inflação do ano anterior e no desempenho da economia (o PIB) de dois anos antes.
"Com o governo investindo mais, os empresários investindo mais e as famílias consumindo, nós vamos fazer a roda da economia girar", falou Haddad em campanha no Twitter.
Rombo nas contas públicas e teto de gastos
Em 2016, o governo de Michel Temer aprovou a emenda do teto de gastos, que impõe um limite ao crescimento dos gastos do governo por 20 anos. A medida foi bem recebida pelo mercado, mas criticada pela oposição por limitar a elevação das despesas em setores como saúde e educação.
O candidato Fernando Haddad promete revogar o teto de gastos, argumentando que a medida inviabiliza o desenvolvimento social do país. "O teto de gastos coloca em risco a saúde social do Brasil. Nós temos que olhar o sofrimento do povo. Olhar para quem está sem creche, sem remédio, renda, moradia", escreveu o petista no Twitter em setembro.
A revogação faz parte de uma reforma fiscal proposta pelo candidato. Outra medida dessa reforma é retomar obras públicas que estão paralisadas, para gerar emprego e aumentar a produtividade da economia. Haddad defende que, dessa forma, a economia vai crescer e o Estado vai arrecadar mais.
Já Bolsonaro, como deputado, votou a favor do teto de gastos. Seu guru econômico Paulo Guedes também já se posicionou a favor da medida.
Ainda no aspecto fiscal, o plano de governo de Bolsonaro promete reduzir em 20% o volume da dívida pública por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União.
"Os cortes de despesas e a redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas. O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano", diz o documento.
Privatizações de empresas públicas
Um dos pilares da política econômica de Bolsonaro é a privatização de empresas públicas. O candidato vem declarando que pretende privatizar ou extinguir, já no primeiro ano de governo, cerca de 50 estatais que teriam sido criadas durante os governos do PT. A privatização continuaria nos anos seguintes.
"O debate sobre privatização, mais do que uma questão ideológica, visa a eficiência econômica, bem-estar e distribuição de renda. Temos que ter respeito com os pagadores de impostos. No Brasil, esse debate envolve um elemento extra: o equilíbrio das contas públicas", diz o plano de governo.
Os recursos advindos da privatização seriam "obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública", continua a proposta.
Algumas estatais, no entanto, serão mantidas, segundo declarações de Bolsonaro. O candidato é contra a privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica e de Furnas. Mais recentemente, também se posicionou contra a privatização do setor de geração de energia.
No caso da Petrobras, Bolsonaro disse recentemente que o "miolo deve ser conservado", mas já admitiu a privatização, em entrevista dada à Globonews em agosto, "se não tiver uma solução".
Já a candidatura de Fernando Haddad é contra privatizações. Seu programa de governo diz que vai "suspender a política de privatização de empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional e a venda de terras, água e recursos naturais para estrangeiros".
Reforma no sistema de aposentadorias
Um dos maiores desafios do próximo presidente é o que fazer com a Previdência. Sem mudança no regime do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e nas aposentadorias de servidores, que respondem por quase 45% das despesas da União, o governo terá dificuldade para cumprir o teto de gastos.
Fernando Haddad pretende fazer uma reforma nos regimes próprios da Previdência (responsáveis pelo pagamento de pensões e aposentadorias para os servidores públicos) no primeiro ano do governo. Em uma segunda etapa, quer propor a convergência dos regimes próprio e geral (que engloba os trabalhadores de fora do setor público).
"É possível o equilíbrio das contas da Previdência a partir da retomada da criação de empregos, da formalização de todas as atividades econômicas e da ampliação da capacidade de arrecadação, assim como do combate à sonegação. Esse caminho será novamente buscado, ao mesmo tempo em que serão adotadas medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira", afirma o plano de governo de Haddad.
Bolsonaro, por sua vez, prevê introduzir paulatinamente o modelo de capitalização para a Previdência. Hoje, o dinheiro das aposentadorias vem da contribuição de quem está trabalhando. Se o Estado arrecada menos do que precisa pagar, então precisar arcar com essa diferença.
Já a capitalização funciona como uma espécie de poupança, em que o trabalhador junta dinheiro para sua própria aposentadoria.
"Obviamente, a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos, na medida em que os aposentados deixam de contar com a contribuição dos optantes pela capitalização. Para isso, será criado um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias do sistema antigo", afirma o plano de governo do deputado.
Bolsonaro já declarou que "o grande problema é o serviço público. O resto é combate à fraude e descaso".
Mudanças no imposto de renda e cobranças de impostos
Os dois candidatos prometem mudanças no imposto de renda.
Desde o início da campanha, o programa de governo do PT propõe isentar de Imposto de Renda quem ganha até 5 salários mínimos. Na outra ponta, pretende criar faixas de contribuição maiores para os "super-ricos" - não há definição sobre qual seria a faixa de renda dessa categoria.
Além disso, Haddad quer tributar grandes movimentações financeiras, distribuição de lucros e dividendo e grandes patrimônios.
Bolsonaro, por sua vez, também passou a defender a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 salários mínimos. A proposta foi anunciada depois de o jornal Folha de S. Paulo publicar que Paulo Guedes havia dito para uma plateia restrita que pretendia criar uma alíquota única para o imposto de renda.
Hoje, a alíquota aumenta de acordo com o nível de renda - varia de zero a 27,5%. A ideia da equipe de Bolsonaro é ter uma alíquota única de 20%.
Ainda com relação a impostos, Bolsonaro afirmou que não vai recriar a CPMF - um recuo em relação ao que teria sido dito por Guedes no mesmo evento.
Ao contrário de Haddad, o deputado é contra taxação de grandes fortunas e heranças e novas tributações a empresários.
Dívidas e crédito
Fernando Haddad incorporou em seu programa econômico uma proposta parecida com a do candidato Ciro Gomes (PDT), que previa limpar o nome de quem estava endividado e inscrito no SPC ou no Serasa. Esse também é o objetivo do programa petista "dívida zero".
A ideia é criar linhas de crédito com prazos longos e juros menores em bancos públicos. Assim, quem está endividado poderia fazer um empréstimo em condições facilitadas para pagar suas dívidas.
Desenvolvimento econômico
Os candidatos também anunciaram planos para estimular o desenvolvimento econômico.
Fernando Haddad, por exemplo, pretende criar uma política para desenvolvimento regional, visando interiorizar a atividade econômica. Além disso, prevê estimular a reindustrialização, fazendo com que bancos públicos financiem a indústria.
Bolsonaro, por sua vez, quer criar o "balcão único", para centralizar todos os procedimentos para abertura e fechamento de empresas. E também tem a intenção de tornar o Brasil um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio.
Banco Central e tripé macroeconômico
O projeto de Haddad coloca que "o Banco central manterá sua autonomia e seu mandato de controlar a inflação, permanecendo atento a temas como a estabilidade do sistema financeiro e o nível de emprego".
Hoje, existe uma espécie de acordo tácito de que a equipe do BC tem autonomia para tomar as decisões de política monetária - subir e baixar juros, por exemplo - sem interferência do governo.
A equipe de Bolsonaro propõe o que o mercado chama de independência do Banco Central, em que esse compromisso de não interferência é fixado por lei.
Em relação à política macroeconômica, o programa do candidato do PSL se compromete com o tripé adotado, de forma geral, pelas economias liberais - câmbio flexível, meta de inflação e meta fiscal.
Já o programa petista coloca que "as políticas monetária, fiscal e cambial devem estar voltadas para garantir o desenvolvimento econômico sustentável", ou seja, elas podem ser reformuladas, caso seja necessário, para tentar reverter uma situação de crise, por exemplo.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45884116
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