Posando de satanista, a banda sueca Ghost BC finge que faz metal, enquanto coveriza ABBA e Beatles
O heavy metal não é mais o mesmo. Assim como seu consorte - o Demônio -, o gênero anda cada dia mais estranho. Se antes a relação do gênero e o oculto seduzia fãs e dava arrepios em pais, detratores e desinformados em geral, hoje mais parece uma combinação de caráter lúdico. É como se o medo de queimar no inferno por cantarolar heresias e odes ao Inimigo fosse substituído por inofensivos sustos num brinquedo de parque de diversões.
Ghost BC: visual e letras para amedrontar supersticiosos; música para embalar festas moderninhas
A nova atração do parque temático do inferno chamado heavy metal é o grupo sueco Ghost BC (a sigla inexistente no original; foi adicionada porque já existia nos EUA outro grupo usando a marca). O pacote satânico da banda vai das letras ao figurino, passando pelos personagens interpretados pelos músicos. Sua figura de frente é o vocalista Papa Emeritus II - ele caiu uma posição quando Joseph Ratzinger, o ex-Bento XVI, foi assim intitulado ao deixar o trono de Pedro. Com uma caveira pintada no rosto, o cantor usa vestes de cardeal decoradas por cruzes invertidas. Os demais integrantes são chamados apenas como "nameless ghouls" - ou seja os ghouls (espécie de demônio-zumbi comedor de carne humana da mitologia árabe) sem nome. Claro, o número de músicos de grupo é seis.
No Brasil, a música do Ghost BC ainda é uma iguaria restrita aos fãs do gênero. Nos próximos meses, a situação deve mudar. As lojas brasileiras receberam na semana passada a edição nacional do segundo disco do grupo (e o primeiro lançado por uma grande gravadora, a Universal Music). O título do álbum se alinha ao conceito do Ghost BC: "Infestissumam". A expressão latina significa "hostil", e é um dos adjetivos do Anticristo. Pena que a Universal tenha lançado uma versão muquirana do CD, sem encarte e sem a faixas bônus. Lá fora, são três, incluindo um cover do ícone pop sueco ABBA. No disco de 2010, o bônus era uma versão bem comportada de "Here Comes the Sun", dos Beatles.
A turnê de "Infestissumam" passará por três cidades brasileiras em setembro. Dia 19, a banda será uma das atrações do Rock in Rio (o headline é o Metallica). A expectativa é que o Ghost BC vire um novo Slipknot, a banda mascarada de speed metal (e ocultismo espalhafatoso) que multiplicou exponencialmente sua popularidade no Brasil após participar do festival pop e aparecer na TV. Ao lado do Slayer, os suecos farão a abertura dos shows do Iron Maiden, dia 20, em São Paulo, e 24, em Curitiba.
Missa negra para as pistas
O que faz do satanismo do Ghost BC risível não é apenas o exagero visual, que tem mais a ver com o os filmes de terror B do que os ocultistas do século XIX ou os demonólogos medievais. Musicalmente, o grupo não é tão sombrio quanto a sua imagem sugere.
Se você for um headbanger (para quem não sabe metaleiro é uma expressão pejorativa pela qual os fãs do gênero não se reconhecem) e foi seduzido pelo jeitão funesto da capa dos discos e/ou pelas fotos de divulgação do Papa Emeritus II e seus pares, é alto o risco de se decepcionar com o que vai ouvir. "Infestissumam" é um bom disco, se não for esperado dele nada muito "metal".
"Ghuleh/ Zombie Queen" são duas canções encadeadas. A primeira é uma balada melancólica, daquelas que você pode incluir no CD personalizado que gravou para a namorada; a segunda, um rock indie com levada synth-pop, ideal para a festa que toca a nova do Daft Punk e um velho hit do New Order.
Em sites com o last.fm e MySpace, a música do grupo é definida como heavy metal, doom metal, stoner rock e hard rock. Quem ouve "Infestissumam" dificilmente concorda com este rótulos. Em seu novo álbum, o Ghost BC se aproxima mais do synthpop oitentista, adicionando guitarras e órgãos fantasmagóricos. A referência foi declarada indiretamente pela própria banda, que regravou "Waiting For The Night", do Depeche Mode, para a versão japonesa do CD. No entanto, a não ser pelas letras, o Ghost BC nem chega a ser sombrio como Depeche Mode e Pet Shop Boys souberam ser naquela época.
Mais uma vez vale ressaltar: não falta qualidade à música do Ghost BC. "Jigolo Har Megido" é daquelas canções que não deixam você parado e pedem para ser ouvidas de novo e de novo. "Secular Haze" é tão divertida quanto seu videoclipe que mostra a banda tocando num cenário parecido com o dos programas da TV americana dos anos 60, do tipo The Ed Sullivan Show; e "Year Zero" e "Body and Blood" são músicas para você cantar junto no show e bater a cabeça - com moderação.
Para quem entende inglês, soa até engraçado que essas canções dançantes embalem letras que falam em putrefação, sobre ser "o filho daquele que está em baixo" e dá boas vindas ao ano zero de Satanás. Um prato cheio para a turma que se delicia no terror pop das vestes góticas, seriados de zumbi e em filmes como "Jogos Mortais". Vai para aquele pacote sombrio incapaz de horrorizar sua mãe, como acontecia com as camisas pretas dos headbangers do passado.
Em tempos cada vez mais hedonistas, parece que até o Diabo desistiu do engajamento necessário à tarefa de infernizar a vida alheia. Preferiu cair na farra.
Rock e satanismo: pouco ocultismo, muita fantasia
O jeitão Disneylândia satânica do Ghost BC não é nenhuma novidade no universo do rock. Um dos pioneiros neste área foi Screamin´ Jay Hawkins (1929 - 2000). Artista negro da primeira geração do rock norte-americano, ele posava com caveiras humanas e entrava no palco dentro de um caixão. Seu maior hit, a balada "I put a spell on you" evocava o oculto - mais tarde, a canção seria regravada por Marilyn Manson.
Ozzy Osbourne: inspiração inicial do Black Sabbath foi cinema de terror, não o ocultismo
Com a fundação do heavy metal pelo Black Sabbath, o diabo entrou permanentemente na pauta do rock. Mas a verdade é que a banda que revelou Ozzy Osbourne nunca foi assim tão dedicada aos temas infernais. O nome não é uma referência ao encontro de bruxas que assombrava a imaginação medieval - foi tirado de um filme de terror italiano. Em sua autobiografia, "Eu sou Ozzy", o cantor explicou a origem do conceito da banda: se havia tanta gente que gastava para sentir medo no cinemas, porque não fazer "música de medo"? Muita gente acendia vela preta para a banda sem prestar atenção no que eles cantavam. "Children of the grave", por exemplo, é uma canção pacifista. "Sweet leaf" é uma ode à maconha (nada mais hippie). "God is dead?", do recém-lançado disco "13", partiu de um incômodo de Ozzy por as pessoas acharem que Deus está morto já que permite atos terroristas. Para o Sabbath, com Ozzy canta na letra, duvida que ele esteja.
Um caso semelhante de incompreensão acontece com o Iron Maiden. Quem se ouriça com o clássico "The number of the beast" precisa fazer urgente um bom curso de inglês. A canção não louva Satanás; ela narra um pesadelo com uma ritual satânico. O Kiss, que gente paranoica jura ser uma sigla para Knights in Satan´s Service (os Cavaleiros a Serviço de Satanás), o Kiss é bem menos assustador que isso. A banda sempre teve jeitão parque de diversões de horror e mais afinidade com os super-heróis dos quadrinhos do que com ocultistas. Cantam sobre diversão, não perdição.
Alice Cooper tirou seu nome de uma bruxa e adorna seus shows com elementos sombrios, caso da guilhotina que ele usa para se decapitar. Nas letras, segue uma linha semelhante a do Kiss, sem entrar muito nas disputas da teologia. Fora dos palcos, Alice mantém-se firme longe do álcool há décadas. Católico praticante, disse ano passado ao Huffington Post que "cada palavra da Bíblia é verdadeira".
Claro, há grupos de metal que levam a sério o satanismo - ao ponto de alguns queimarem igrejas na Noruega, por exemplo. Mas mesmo o black metal é difícil se ser levado a sério, já que não se decidem entre o paganismo e um cristianismo torto.
Fonte: Dellano Rios em Diário do Nordeste
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